A Revolução Francesa pode ser considerada como um dos marcos que incrustaram o pensamento da Modernidade na sociedade. Na gênese desse pensamento, está a ideia de liberdade e a destituição da soberania absolutista do Antigo Regime. Toda autoridade é questionada, o súdito quer ser cidadão e a república é imposta como alternativa à monarquia. A Igreja, como grande catalisador social desde a Idade Média, não poderia passar ilesa por esse processo. Não só a autoridade do Papa, mas da própria Igreja são postos em xeque e essa instituição, já milenar, é forçada a compreender e responder a um mundo que se transforma. “Mais difundida nessa nova situação cultural era a crença do Iluminismo de que a raça humana estava se movendo em um caminho implacável de progresso e, portanto, jogando fora o passado e, especialmente, as superstições da religião, especialmente como manifestadas no catolicismo”, acrescenta o historiador estadunidense, o jesuíta John W. O’Malley.
Assim, o espaço da religião e especialmente da Igreja tem de se reinventar, pois “a tradição, que havia sido pensada para fornecer enriquecimento cultural e um guia para a conduta, parecia ser agora uma cadeia que amarrava a humanidade a um passado inútil”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, O’Malley analisa essa resposta que, na Igreja, se deu na realização do Concílio Vaticano I, que em 8 de dezembro completará 150 anos de sua abertura. “Os católicos acharam essa nova situação cultural, agora encapsulada na palavra liberalismo, confusa e ameaçadora, e procuraram meios para ajudá-los a lidar com ela”, diz. “Foi explicitamente para lidar com o ‘mundo moderno’ que ele [Papa Pio IX] convocou o Concílio Vaticano I”, explica.
Entretanto, por que olhar para esse concílio, por muitos até superado desde a realização do Vaticano II? “O Vaticano I foi único em pelo menos três modos importantes. Foi o primeiro concílio ecumênico da história a ter participantes da Ásia e das Américas. Estava inspirado na persuasão de que a nova situação cultural requeria uma revisão de todos os aspectos da vida e da prática católicas. Finalmente, em nenhum concílio do passado o papa desempenhou um papel proativo na tentativa de determinar o resultado”, defende o historiador.
Além disso, o Vaticano I não pode ser visto como uma tentativa de restauração do Antigo Regime e da centralidade da Igreja na sociedade, mas como uma forma de tensionar a própria experiência contraditória da Revolução, que teve como um dos frutos a tirania de Napoleão. “A decepção com a Revolução, no entanto, não ficou restrita à nobreza e à aristocracia. A destruição física de igrejas e mosteiros que ocorreu no rastro da Revolução chocou, entristeceu e desanimou as pessoas em todas as classes sociais e muitas vezes tornou os cristãos, ainda em grande parte a maioria da população, ainda mais comprometidos com a sua fé”, completa.
Para O’Malley, recuperar esse processo histórico também é importante para compreender o Vaticano II e todos os avanços que ele traz para a Igreja de hoje. Afinal, é fruto de toda experiência do próprio João XXIII, mas também das fraturas abertas no pós-revolução. “Experiências levaram-no [o Papa João XXIII] a querer uma reunião que levasse em conta a situação do mundo e trabalhasse pela reconciliação entre todos os povos. Essa é a pauta que ele deu ao concílio”, destaca O’Malley ao reportar o discurso de João XXIII na solene abertura do Vaticano II.
John W. O’Malley no IHU, em 2015, durante sua participação no colóquio O Concílio Vaticano II: 50 anos depois
(Foto: Ricardo Machado | IHU)
John W. O’Malley é doutor em História pela Universidade de Harvard. Atualmente é professor de Teologia da Georgetown University, de Washington (EUA). É membro da Fundação Guggenheim, da Academia Norte-Americana de Artes e Ciências e da Sociedade Filosófica Norte-Americana. Especialista em Concílios, com especial atenção ao Concílio de Trento e ao Concílio Vaticano II. Recentemente, publicou Vatican I: The Council and the Making of the Ultramontane Church [Vaticano I: O Concílio e a construção de uma Igreja ultramontana, em tradução livre] (Harvard University Press, 2019). Também é autor de Os primeiros jesuítas (São Leopoldo, RS: Ed. Unisinos; Bauru, SP: Ed. EDUSC, 2004) e The Jesuits: A History From Ignatius to the Present (Pennsylvania: Rowman & Littlefield Publishers, 2014), What happened at Vatican II [O que aconteceu no Vaticano II] (Cambridge, MA: Harvard University Press/Belknap. Press, 2008) e A history of the Popes [Uma história dos Papas] (Lanham, MD: Sheed and Ward, 2006).
IHU On-Line – Quais são as questões de fundo na Igreja e no mundo quando se configura a realização do Vaticano I [1]?
John O’Malley – A Revolução Francesa [2] e seu rescaldo napoleônico traumatizaram as classes dominantes da Europa. À medida que o apelo da Revolução pela liberdade, igualdade e fraternidade se radicalizou, ela tentou erradicar toda a hierarquia e todo privilégio. Em seus estágios iniciais, além disso, ela confiscou as propriedades da Igreja e exigiu juramentos do clero que, em essência, era uma sujeição à nova ordem das coisas e uma renúncia a qualquer relação com o papado. À medida que ela se tornou ainda mais radical no Reino do Terror [3], multidões saquearam e destruíram igrejas e mandaram monges, freiras, padres e bispos para a guilhotina.
Assim que Napoleão [4] tomou posse no fim do século, ele, superficialmente e por razões políticas, perseguiu uma política de reconciliação com a Igreja, mas, por suas conquistas, ele espalhou direta e indiretamente os aspectos anticristãos da Revolução em grande parte da Europa continental. Quando, no momento da sua derrota em 1814, os membros das classes superiores, que incluíam a maioria dos bispos, olharam para trás, eles viram na liberdade, igualdade e fraternidade não a promessa de uma nova era gloriosa, mas sim uma receita para a carnificina e o caos.
A decepção com a Revolução, no entanto, não ficou restrita à nobreza e à aristocracia. A destruição física de igrejas e mosteiros que ocorreu no rastro da Revolução chocou, entristeceu e desanimou as pessoas em todas as classes sociais e muitas vezes tornou os cristãos, ainda em grande parte a maioria da população, ainda mais comprometidos com a sua fé. Foi fundamental para a experiência católica naqueles anos, junto com fortes sentimentos de alienação, um profundo sentimento de perda. As sementes, assim, foram semeadas para resistir ao que a Revolução tinha passado a representar.
Com a derrota de Napoleão, os poderes vitoriosos se reuniram no Congresso de Viena [5], de 1814 a 1815, para desfazer o que a Revolução havia feito, o que significava, concretamente, restaurar os monarcas aos seus tronos. Nesse projeto, o Congresso teve um sucesso imediato, mas superficial. Os monarcas foram restaurados, mas para tronos trêmulos, porque os ideais da Revolução continuavam fortes demais. Durante as muitas décadas seguintes, a situação política foi altamente instável, pois os monarcas foram expulsos dos seus tronos e depois devolvidos a eles.
O Congresso de Viena tentou reverter o relógio político da Europa, mas não pôde lidar diretamente com a grande mudança cultural que a Revolução havia introduzido no mundo ocidental. A mudança foi a culminação e a integração de movimentos anteriores, como a Revolução Científica [6], que tornou irrelevantes as obras de Aristóteles [7] sobre os céus, a física e, portanto, a metafísica; como a revolução filosófica que começou com a “volta ao sujeito” de Descartes [8], que erodiu ainda mais as tradições filosóficas da Grécia antiga; como a Revolução Industrial [9] que criou um proletariado urbano e um proletariado burguês de imensa riqueza; como os novos métodos histórico-críticos que não se voltavam mais para o passado para se inspirar, mas, supostamente motivados por uma análise desapaixonada, queriam simplesmente saber o que aconteceu.
Mais difundida nessa nova situação cultural era a crença do Iluminismo [10] de que a raça humana estava se movendo em um caminho implacável de progresso e, portanto, jogando fora o passado e, especialmente, as superstições da religião, especialmente como manifestadas no catolicismo. A tradição, que havia sido pensada para fornecer enriquecimento cultural e um guia para a conduta, parecia ser agora uma cadeia que amarrava a humanidade a um passado inútil.
Os católicos acharam essa nova situação cultural, agora encapsulada na palavra liberalismo, confusa e ameaçadora, e procuraram meios para ajudá-los a lidar com ela. Nenhum católico estava mais preocupado com a situação do que o Papa Pio IX [11] (r. 1846-1878). Foi explicitamente para lidar com o “mundo moderno” que ele convocou o Concílio Vaticano I, aberto em 8 de dezembro de 1869 e concluído em 18 de julho do ano seguinte.
IHU On-Line – De que forma o Vaticano I emerge como um caminho para a Igreja lidar com essa transformação do “mundo moderno”?
John O’Malley – O Vaticano I publicou apenas dois documentos. O mais conhecido é o Pastor Aeternus [12], a definição do primado e da infalibilidade papal. Os defensores desse decreto viam-no como uma reafirmação da monarquia em uma época em que a monarquia estava ameaçada. A esse respeito, é duvidoso quão útil o decreto foi.
O decreto menos conhecido foi o Dei Filius [13], uma declaração contra o “racionalismo”. Embora hoje as limitações das categorias operacionais no decreto estejam claras, a substância do decreto forneceu à Igreja uma declaração de fundamentos que foi extremamente útil na navegação dos levantes culturais do mundo moderno. Deus existe. Ele pode ser conhecido. A crença religiosa está além da razão, mas não é irracional. A crença religiosa realça a vida.
IHU On-Line – Em que aspectos o Vaticano I se distingue dos concílios realizados até então?
John O’Malley – O Vaticano I foi único em pelo menos três modos importantes. Primeiro, foi o primeiro concílio ecumênico da história a ter participantes da Ásia e das Américas. Se ecumênico significa mundial, o Vaticano I, portanto, foi o primeiro concílio verdadeiramente ecumênico. A esse respeito, ele foi um grande contraste com Trento [14], cujos membros eram majoritariamente da Itália, seguidos, com uma grande distância, pela Espanha.
Em segundo lugar, o concílio estava inspirado na persuasão de que a nova situação cultural requeria uma revisão de todos os aspectos da vida e da prática católicas. Nenhum concílio anterior havia empreendido essa revisão do status quo cultural.
Finalmente, em nenhum concílio do passado o papa desempenhou um papel proativo na tentativa de determinar o resultado, como fez Pio IX no Vaticano I.
IHU On-Line – Em seu livro sobre o Vaticano I, o senhor diz que a incompatibilidade do catolicismo com aspectos do Iluminismo só se torna aguda depois de meados do século XVIII. Por quê?
John O’Malley – Houve várias razões. Os católicos, assim como todos os outros, viam a si mesmos debatendo questões à medida que elas surgiam e não se viam debatendo com o “Iluminismo”. Isto é, eles não as viam como uma ideologia ou como uma necessária coalescência em uma ideologia. Em meados do século, eles se tornaram mais conscientes dos aspectos ameaçadores, porque esses aspectos assumiram uma espécie de codificação na publicação da Encyclopédie [15], cujo primeiro volume apareceu em 1751.
Além disso, naquela época, uma nova geração de ministros reais imbuídos das características antieclesiais do Iluminismo se apossaram das monarquias bourbônicas [16] e começaram a implementar medidas agressivas em relação à Igreja.
IHU On-Line – Como observa o dogma da infalibilidade do papa, surgido nesse contexto do Vaticano I?
John O’Malley – Os teólogos têm modos diferentes de analisar esse dogma, então remeto a eles para uma resposta. No entanto, a questão surgiu de modo bastante explícito como um meio para restaurar a estabilidade política ao “mundo moderno”. O texto central a esse respeito sem dúvida é o Du pape [17], de Joseph de Maistre [18], em 1819. Com esse livro, De Maistre, um advogado e diplomata, e não teólogo, convocou a infalibilidade do seu repouso nos claustros da academia e a enviou, pronta para a batalha, para a praça pública.
Ele via isso como o único antídoto para o caos desencadeado pela liberdade, igualdade e fraternidade. Outros acolheram o clamor, mas forneceram uma base teológica para ele. Eles viam isso como uma definição necessária para combater forças nacionalistas, relativistas e centrífugas na Igreja e na sociedade daqueles tempos. Embora uma definição de infalibilidade não estivesse na pauta original do Vaticano I, ela tornou-se uma questão tão pública e controversa que quase inevitavelmente veio à tona quando o concílio se reuniu.
IHU On-Line – No século XIX, antes do concílio, os jesuítas surgiram como defensores da autoridade papal e da definição da infalibilidade. Por quê?
John O’Malley – Em 1773, o Papa Clemente XIV [19] suprimiu os jesuítas em todo o mundo. Ele fez isso sob forte pressão dos ministros das monarquias Bourbon. Em muitos lugares, os governos adotaram políticas brutais contra os membros da ordem desonrada. Quando o Congresso de Viena restaurou os monarcas, ele também restaurou o Papa Pio VII [20] para Roma, cuja primeira ação foi restaurar os jesuítas.
Não só os jesuítas sofreram a supressão, mas, durante a época da Revolução, as suas famílias também experimentaram o virulento anticatolicismo da época. Os jesuítas consideravam o papado como seu salvador e, como a maioria dos católicos, viam o papado como a única esperança para a restauração da ordem adequada na sociedade.
Na Itália, os jesuítas foram particularmente ardorosos no seu apoio ao papado porque viam a ameaça da unificação da Itália pelas forças de uma nova monarquia italiana e a consequente perda dos Estados Pontifícios como o estabelecimento do liberalismo como a ideologia dominante, promovida pelo governo.
IHU On-Line – Como a perda dos Estados Pontifícios (1860-1970) incide sobre o controle da Igreja no mundo?
John O’Malley – O efeito imediato sobre a relação do papado com o mundo foi a perda de qualquer direito de agir como um poder soberano, mas, no século XIX, esse direito já não significava muito. Muito mais importante foi o efeito que ele teve sobre o controle papal da nomeação dos bispos.
Em 1860-1870, quando a nova nação italiana absorveu em si as outras unidades políticas do país, as concordatas que regulavam as relações entre elas e a Santa Sé tornaram-se letra morta. Todas essas concordatas deram aos chefes de Estado um papel importante nas nomeações episcopais. De repente, Pio IX [21] tinha uma mão virtualmente livre. Entre outubro de 1871 e maio seguinte, ele nomeou 102 novos bispos, enchendo a metade das sedes da Itália.
O que aconteceu na Itália foi um prenúncio das coisas por vir. Em 1901, quando o governo francês revogou unilateralmente a Concordata de 1801, Pio X denunciou o ato, mas descobriu que poderia nomear quem quisesse. E assim ocorreu, enquanto a cena política continuava mudando. No terceiro trimestre do século passado, o papado, pela primeira vez em toda a história da Igreja, tinha uma influência virtualmente ilimitada sobre as nomeações episcopais em todo o mundo. Pela primeira vez na história, os leigos não tinham nenhuma voz na nomeação dos bispos.
IHU On-Line – Podemos dizer que, apesar do Pastor Aeternus (o decreto sobre a infalibilidade), o Vaticano I foi um processo democrático? Por quê?
John O’Malley – O Vaticano I não foi um processo democrático. O Vaticano I, como todos os concílios, foi um exercício de governança da Igreja, e a governança da Igreja desde seus primeiros séculos tem sido hierárquica e colegial. Os bispos são figuras hierárquicas. Eles exercem a supervisão sobre suas dioceses.
Ao mesmo tempo, eles têm uma relação colegial com seu clero e com outros membros de suas dioceses, o que é mais claramente operacional quando eles convocam um sínodo diocesano para que, junto com essas pessoas, possam lidar com uma questão ou problema. Eles também têm uma relação colegial com outros bispos e têm uma relação hierárquica e colegial com o papa, o bispo de Roma. Todas essas relações foram operacionais no Vaticano I.
A melhor pergunta, portanto, é se o concílio foi livre, se os bispos podiam expressar livremente suas opiniões e se o processo era justo. A questão surge por causa do papel altamente partidário que Pio IX desempenhou na tentativa de sustentar que o Pastor Aeternus fosse aprovado, e fosse aprovado de uma forma que desse ao papa a autoridade máxima. Embora alguns poucos estudiosos tenham sustentado que, por essa razão, ele não foi livre, a maioria corretamente defendia o oposto. Não foi posto nenhum limite de expressão sobre os bispos que se opuseram ao decreto ou que se opuseram à forma que ele finalmente assumiu. Eles não conseguiram convencer os outros bispos. O processo no Vaticano I não foi perfeito, mas poucos são os encontros em que o processo é perfeito. O Vaticano I foi “democrático” no sentido de que os bispos lá falavam livremente, votavam livremente e procediam de acordo com um processo justo.
IHU On-Line – No contexto do Vaticano II [22], como podemos compreender as posições de João XXIII [23]?
John O’Malley – Várias experiências formaram João XXIII e o levaram a convocar o Vaticano II. Ele foi treinado como historiador da Igreja e, enquanto lecionava no seminário de Bérgamo como jovem padre, ele começou a editar os registros da visitação oficial da diocese de São Carlos Borromeu no século XVI. Ele publicou o último volume apenas um ano antes de ser eleito papa. No processo, ele percebeu como os sínodos e os concílios foram importantes no século XVI e na história mais geral da Igreja. Uma das primeiras coisas que ele fez quando foi nomeado patriarca de Veneza foi convocar um sínodo diocesano.
Nesse meio tempo, ele havia sido o enviado do Vaticano para a Bulgária, um país fundamentalmente ortodoxo, e depois para a Turquia, um país muçulmano. Isso lhe deu uma visão abrangente do cristianismo e uma apreciação dos anseios espirituais das pessoas não católicas. Nenhum papa anterior jamais teve tais experiências.
Viver os horrores da Segunda Guerra Mundial o convenceu da necessidade de reconciliação entre as nações e especialmente entre as Igrejas cristãs. Enquanto esteve na Turquia durante a Segunda Guerra Mundial, ele entrou em contato com os judeus que fugiam da perseguição nazista, uma experiência que o sensibilizou para a responsabilidade cristã pelo que havia acontecido com eles. Então, em 1944, ele se tornou núncio na França, onde entrou em contato com os novos movimentos da teologia que haviam sido reprimidos pelo Santo Ofício [24] do Vaticano.
Essas experiências levaram-no a querer uma reunião que levasse em conta a situação do mundo e trabalhasse pela reconciliação entre todos os povos. Essa é a pauta que ele deu ao concílio. Ele disse aos bispos que eles estavam lá para mostrar a Igreja como uma “mãe amorosíssima de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e de bondade para com os filhos dela separados” [frase do discurso do Papa João XXIII na solene abertura do Vaticano II].
Veja a seguir o "Discurso à lua", do papa João XXIII, proferido de improviso, na noite após a sessão de abertura do Concílio Vaticano II:
IHU On-Line – Como podemos entender as relações entre o Vaticano I e o Vaticano II?
John O’Malley – Para uma resposta a essas e a outras perguntas semelhantes, eu remeto ao meu novo livro, a ser publicado pela Harvard University Press em 1º de agosto de 2019, intitulado When Bishops Meet: An Essay Comparing Trent, Vatican I, and Vatican II [Quando os bispos se encontram: um ensaio comparando Trento, Vaticano I e Vaticano II, em tradução livre].
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Assista às conferências de O'Malley durante sua participação no colóquio O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade, em 2015:
[1] Concílio Vaticano I (CV I): deu-se de 8 de dezembro de 1869 a 18 de dezembro de 1870, proclamado por Pio IX (1846 a 1878). As principais decisões do Concílio foram conceber uma Constituição dogmática intitulada "Dei Filius", sobre a Fé católica e a Constituição Dogmática "Pastor Aeternus", sobre o primado e infalibilidade do Papa quando se pronuncia "ex-cathedra", em assuntos de fé e de moral. E tratou-se de questões doutrinárias que eram necessárias para dar novo alento e informar melhor sobre assuntos essenciais de fé. Para além de proclamar como dogma a Infalibilidade Papal, o Concílio, ao defender os fundamentos da fé católica, condenou os erros do Racionalismo, do Materialismo e do Ateísmo. (Nota da IHU On-Line)
[2] Revolução Francesa: nome dado ao conjunto de acontecimentos que, entre 5 de maio de 1789 e 9 de novembro de 1799, alteraram o quadro político e social da França. Começa com a convocação dos Estados Gerais e a Queda da Bastilha e se encerra com o golpe de estado do 18 Brumário, de Napoleão Bonaparte. Em causa estavam o Antigo Regime (Ancien Régime) e a autoridade do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da independência estadunidense (1776). Está entre as maiores revoluções da história da humanidade. A Revolução Francesa é considerada como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea. Aboliu a servidão e os direitos feudais e proclamou os princípios universais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" (Liberté, Egalité, Fraternité), lema de autoria de Jean-Jacques Rousseau. (Nota da IHU On-Line)
[3] Reino do Terror: na Revolução Francesa, o Período do Terror, ou O Terror, ou Período dos Jacobinos, foi um período compreendido entre 5 de setembro de 1793 (queda dos girondinos) e 27 de julho de 1794 (prisão de Maximilien de Robespierre, ex-líder dos Jacobinos que foi um precursor da ideia de um Terrorismo de Estado nos séculos posteriores). Durante esse período as garantias civis foram suspensas e o governo revolucionário, controlado pela facção da Montanha dentro do partido jacobino, perseguiu e assassinou seus adversários, (entre 17.000 e 40.000 pessoas foram guilhotinadas.) O Terror durou aproximadamente um ano, de meados de 1793 a meados de 1794. O número oficial de execuções foi de 16.594, das quais 2.639 ocorreram apenas em Paris. Apesar disso, há um consenso de que o número é muito maior devido a mortes na prisão. (Nota da IHU On-Line)
[4] Napoleão III (1808-1873): também chamado Luís Bonaparte, nasceu Charles-Louis Napoléon Bonaparte. Foi o 1º Presidente da Segunda República Francesa e, depois, Imperador dos Franceses do Segundo Império Francês. Era sobrinho e herdeiro de Napoleão Bonaparte. Foi o primeiro presidente francês eleito por voto direto. Entretanto, foi impedido de concorrer a um segundo mandato pela constituição e parlamento, organizando um golpe em 1851 e assumindo o trono como imperador no final do ano seguinte. (Nota da IHU On-Line)
[5] Congresso de Viena: conferência entre embaixadores das grandes potências europeias que teve lugar na capital austríaca, entre 1º de outubro de 1814 e 9 de junho de 1815, cuja intenção era a de redesenhar o mapa político do continente europeu após a derrota da França napoleônica na primavera anterior, iniciar a recolonização (como visto na Revolução Liberal do Porto, no caso do Brasil), restaurar os respectivos tronos às famílias reais derrotadas pelas tropas de Napoleão Bonaparte (como a restauração dos Bourbon) e firmar uma aliança entre os signatários. (Nota da IHU On-Line)
[6] Revolução Científica: na história da ciência, chama-se Revolução Científica ao período que começou no século XVI e prolongou-se até o século XVIII. A partir desse período, a Ciência, que até então estava atrelada à Filosofia, separa-se desta e passa a ser um conhecimento mais estruturado e prático. As causas principais da revolução podem ser resumidas em: renascimento cultural, a imprensa, a reforma protestante e o hermetismo. A expressão "revolução científica" foi criada por Alexandre Koyré, em 1939. (Nota da IHU On-Line)
[7] Aristóteles de Estagira (384 a.C.-322 a.C.): filósofo nascido na Calcídica, Estagira. Suas reflexões filosóficas – por um lado, originais; por outro, reformuladoras da tradição grega – acabaram por configurar um modo de pensar que se estenderia por séculos. Prestou significativas contribuições para o pensamento humano, destacando-se nos campos da ética, política, física, metafísica, lógica, psicologia, poesia, retórica, zoologia, biologia e história natural. É considerado, por muitos, o filósofo que mais influenciou o pensamento ocidental. (Nota da IHU On-Line)
[8] René Descartes (1596-1650): filósofo, físico e matemático francês. Notabilizou-se sobretudo pelo seu trabalho revolucionário da Filosofia, tendo também sido famoso por ser o inventor do sistema de coordenadas cartesiano, que influenciou o desenvolvimento do cálculo moderno. Descartes, por vezes chamado o fundador da filosofia e da matemática modernas, inspirou os seus contemporâneos e gerações de filósofos. Na opinião de alguns comentadores, ele iniciou a formação daquilo a que hoje se chama de racionalismo continental (supostamente em oposição à escola que predominava nas ilhas britânicas, o empirismo), posição filosófica dos séculos 17 e 18 na Europa. (Nota da IHU On-Line)
[9] Revolução Industrial: foi a transição para novos processos de manufatura no período entre 1760 a algum momento entre 1820 e 1840. Esta transformação incluiu a transição de métodos de produção artesanais para a produção por máquinas, a fabricação de novos produtos químicos, novos processos de produção de ferro, maior eficiência da energia da água, o uso crescente da energia a vapor e o desenvolvimento das máquinas-ferramentas, além da substituição da madeira e de outros biocombustíveis pelo carvão. A revolução teve início na Inglaterra e em poucas décadas se espalhou para a Europa Ocidental e os Estados Unidos. (Nota da IHU On-Line)
[10] Iluminismo: movimento intelectual surgido na segunda metade do século XVIII (o chamado "século das luzes") que enfatizava a razão e a ciência como formas de explicar o universo. Foi um dos movimentos impulsionadores do capitalismo e da sociedade moderna. Foi um movimento que obteve grande dinâmica nos países protestantes e lenta porém gradual influência nos países católicos. O nome se explica porque os filósofos da época acreditavam estar iluminando as mentes das pessoas. É, de certo modo, um pensamento herdeiro da tradição do Renascimento e do Humanismo por defender a valorização do Homem e da Razão. Os iluministas acreditavam que a Razão seria a explicação para todas as coisas no universo, e se contrapunham à fé. (Nota da IHU On-Line)
[11] Pio IX (1792-1878): nascido Giovanni Maria Mastai-Ferretti, foi Papa durante mais de 31 anos, entre 16 de junho de 1846 e a data do seu falecimento. Era Frade Dominicano. (Nota da IHU On-Line)
[12] Pastor aeternus (primazia papal): Primeira Constituição Dogmática sobre a Igreja de Cristo emitida pelo Concílio Vaticano I, 18 de julho de 1870. O documento define quatro doutrinas da fé católica: a primazia apostólica conferida a Pedro, a perpetuidade do primado petrino nos pontífices romanos, o significado e o poder da primazia papal e a infalibilidade papal - autoridade pedagógica infalível (magistério) do papa. (Nota da IHU On-Line)
[13] Dei Filius: constituição dogmática do Concílio do Vaticano I sobre a fé católica, aprovado em 24 de abril de 1870, pelo Papa Pio IX. O texto da constituição Dei Filius é composto de um prólogo, quatro capítulos e alguns cânones finais. O prólogo resume os principais erros que surgiram após o Concílio de Trento: o protestantismo, o racionalismo, o panteísmo, o materialismo e o ateísmo. Fala-se nela de um Deus pessoal e criador providente de tudo que indica que sua existência pode ser conhecida por meio da razão partindo do raciocínio sobre as coisas criadas. No entanto, a necessidade de Revelação é defendida nela e a natureza da fé é explicada como um presente. (Nota da IHU On-Line)
[14] Concílio de Trento: realizado de 1545 a 1563, foi o 19º concílio ecumênico. Foi convocado pelo Papa Paulo III para assegurar a unidade da fé (sagrada escritura histórica) e a disciplina eclesiástica, no contexto da Reforma da Igreja Católica e a reação à divisão então vivida na Europa devido à Reforma Protestante, razão pela qual é denominado como Concílio da Contrarreforma. (Nota da IHU On-Line)
[15] Enciclopédia do Iluminismo: A Encyclopédie, elaborada entre 1751 e 1780 por D'Alembert e Diderot compilava em 35 volumes o conhecimento das ciências naturais e humanas da época, sob a perspectiva do esclarecimento. (Nota da IHU On-Line)
[16] Casa Real de Bourbon: é uma família nobre e importante casa real europeia originária do centro da França. Durante o século XVI, os reis Bourbon governaram Navarra e França. Já no século XVIII, membros da Casa de Bourbon detiveram tronos em Espanha, Duas Sicílias e Parma. Também se enlaçaram com diversas outras casas reinantes por casamento, em especial das da Áustria, Portugal e Brasil. Espanha e Luxemburgo são atualmente duas monarquias governadas pelos Bourbon. Na Espanha, realizou as chamadas reformas borbônicas, uma série de legislações econômicas e políticas introduzida pela coroa espanhola ao longo do século XVIII. (Nota da IHU On-Line)
[17] Du pape: sobre o Papa, em tradução livre. É um livro de 1819 escrito pelo filósofo da Saboia Joseph de Maistre, que muitos consideram ser sua obra-prima literária. O trabalho é dividido em quatro partes. No primeiro, ele argumenta que, na Igreja, o papa é soberano, e que é uma característica essencial de todo poder soberano que suas decisões não devem ser objeto de recurso. (Nota da IHU On-Line)
[18] Joseph-Marie, conde de Maistre (1753-1821): foi um filósofo, escritor, advogado e diplomata saboiano de língua francesa que defendia a hierarquia social e a monarquia, no período imediatamente após a Revolução Francesa . Apesar de seus estreitos laços pessoais e intelectuais com a França, Maistre foi durante toda sua vida um assunto do rei do Piemonte-Sardenha, a quem ele serviu como membro do Senado da Saboia (1787-1792), embaixador na Rússia (1803-1817) e ministro de estado no tribunal de Turim (1817-1821). (Nota da IHU On-Line)
[19] Papa Clemente XIV, o Rigoroso (1705-1774): sacerdote franciscano nascido na Itália, foi Papa de 1769 até sua morte. Bem visto pelos governos contrários aos Jesuítas, ficou conhecido pela emissão do brevê Dominus ac Redemptor noster, que extinguiu a Companhia de Jesus. (Nota da IHU On-Line)
[20] Papa Pio VII (1740-1823): Monge beneditino, nascido Barnaba Chiaramonti, foi Papa da igreja católica de 1800 até sua morte. (Nota da IHU On-Line)
[21] Pio IX (1792-1878): nascido Giovanni Maria Mastai-Ferretti, foi Papa durante mais de 31 anos, entre 16 de junho de 1846 e a data do seu falecimento. Era Frade Dominicano. (Nota da IHU On-Line)
[22] Concílio Vaticano II: convocado no dia 11-11-1962 pelo papa João XXIII. Ocorreram quatro sessões, uma em cada ano. Seu encerramento deu-se a 8-12-1965, pelo papa Paulo VI. A revisão proposta por este Concílio estava centrada na visão da Igreja como uma congregação de fé, substituindo a concepção hierárquica do Concílio anterior, que declarara a infalibilidade papal. As transformações que introduziu foram no sentido da democratização dos ritos, como a missa rezada em vernáculo, aproximando a Igreja dos fiéis dos diferentes países. Este Concílio encontrou resistência dos setores conservadores da Igreja, defensores da hierarquia e do dogma estrito, e seus frutos foram, aos poucos, esvaziados, retornando a Igreja à estrutura rígida preconizada pelo Concílio Vaticano I. A revista IHU On-Line publicou na edição 297 o tema de capa Karl Rahner e a ruptura do Vaticano II, de 15-6-2009, bem como a edição 401, de 3-9-2012, intitulada Concílio Vaticano II. 50 anos depois, e a edição 425, de 1-7-2013, intitulada O Concílio Vaticano II como evento dialógico. Um olhar a partir de Mikhail Bakhtin e seu Círculo. Em 2015, o Instituto Humanitas Unisinos - IHU promoveu o colóquio O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade. As repercussões do evento podem ser conferidas na revista IHU On-Line 466, de 1-6-2015. (Nota da IHU On-Line)
[23] Papa João XXIII (1881-1963): nascido Angelo Giuseppe Roncalli. Foi Papa de 28-10-1958 até a data da sua morte. Considerado um papa de transição, depois do longo pontificado de Pio XII, convocou o Concílio Vaticano II. Conhecido como o "Papa Bom", João XXIII foi canonizado em 2013 pelo Papa Francisco. (Nota da IHU On-Line)
[24] Congregação para a Doutrina da Fé: a mais antiga das nove congregações da Cúria Romana, um dos órgãos do Vaticano. Fundada pelo Papa Paulo III, em 21 de julho de 1542, com o objetivo de defender a Igreja da heresia. É historicamente relacionada com a Inquisição. Até 1908, era denominada como Sacra Congregação da Inquisição Universal quando passou a se chamar Santo Ofício. Em 1967, uma nova reforma, durante o pontificado de Paulo VI, mudou para o nome atual. (Nota da IHU On-Line)